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Opinião

Noventa dias sem aulas

Fachada do Colégio Estadual de Paramirim (nov/2019). Foto: Paramirim Agora.

De repente, quase que bruscamente, algo inesperado aconteceu. Os portões das escolas se fecharam, a cidade perdeu o colorido dos uniformes da classe estudantil, os ônibus deixaram de circular e as sirenes dos estabelecimentos de ensino calaram-se de uma só vez. Como que num toque mágico, todos ficaram em casa, o guarda não saiu para apitar, nem a babá veio cuidar da neném, as ruas ficaram totalmente vazias e um imenso silêncio tomou conta de tudo e de todos. Decretos e mais decretos determinaram a suspensão das aulas. O toque de recolher ecoou por toda parte e muitos perderam a sensação do bem estar e da liberdade.

De repente, todos as letras e sinais se misturaram, se fundindo num imenso ponto de interrogação. Em todas as partes do mundo milhões de estudantes entraram em recesso forçado. As notícias, nunca dantes imaginadas, se multiplicaram assustadoramente nas redes sociais. Uma inédita pandemia colocava a humanidade em xeque. Não era o caos nem o apocalipse, mas uma nova doença que espalhava o medo e a morte e todos se curvaram diante de uma terrível ameaça.

Legiões de educadores a uma só voz perguntavam: e agora? Profissionais e trabalhadores da educação, pegos de surpresa, interromperam suas atividades de classe e tudo que era rotina se transformou numa imensa bola de neve sem perspectivas como se o mundo tivesse virado pelo avesso.

Noventa dias sem aulas. Escolas fechadas, alunos em casa, jovens, adolescentes, crianças sem respostas para os seus anseios, inquietos na sua doce e calma inquietude, marcados por palavras de ordem estranhas ao seu vocabulário. Fique em casa, use máscaras, distanciar é preciso. Enquanto isso as lives viravam manchetes massificando conceitos, generalizando opiniões como se todos quisessem dizer a mesma coisa ao mesmo tempo para as mesmas pessoas. O que era próximo virou remoto, o que era presencial virou online, sem a menor perspectiva de retorno à normalidade.

Noventa dias sem aulas e o ano 2020 caminhando silenciosamente para o segundo semestre. Com muita espectativa, rompe-se os meses de março, abril, maio e junho. Enquanto isso as crianças estão crecendo no lar, muitas entre quatro paredes, sem o convívio lá fora. Sérios reflexos no futuro. Não há mais vizinhança, comemorações, rodinhas de brincadeiras, o individualismo, mesmo com ludicidade, não gera reciprocidade de ações, e o tempo de ocupação da juventude na internet cresce inevitavelmente. Estamos nos acostumando a ficar voltados somente para nós mesmos num mundo cada vez mais restrito.

Noventa dias sem aulas. Jazem desérticos e adormecidos os estabelecimentos de ensino. Quadras, escolas, áreas de lazer, pátios, campos de futebol, academias, templos, enfim, tudo que diz respeito aos círculos de convivência humana convencional ou improvisado passaram para a ociosidade. Já não vejo mais o brilho dos olhos, não sinto as vibrações nem o alarido das creches. As salas se transformaram em silenciosas filas de carteiras adormecidas, uma relegada situação de ausência, onde cada peça, cada objeto, cada material esquecido numa estante nos causa uma sensação de saudades.

Em cada pai que encontramos na rua, em cada telefonema que atendemos, em cada notícia que ouvimos, uma sensação de culpa invade-nos por não termos uma resposta positiva, uma informação alvissareira. Essa é a triste realidade que nos permeia, que roubou os nossos sonhos, que nos assolou profundamente, mas que nos faz pensar num mundo melhor para os nossos alunos que estão há noventa dias sem aulas.

DOMINGOS BELARMINO detém vasta experiência na área educacional como cronista, palestrante e historiador, possui um acervo de mais de cinco mil documentos sobre a história de Paramirim, 27 anos dedicados a história regional. Atualmente é Secretário Municipal de Educação de Paramirim.

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