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Artigo

De geração para geração

Por Armindo José Nardes.

Já estou com 80 anos de idade, mas aos 3 já frequentava aulas particulares e já sabia ler e escrever. Aos 5 anos eu já sabia contar. Somar, dividir, diminuir e multiplicar para mim era moleza. Estudava pela manhã e pela tarde. O dia todo.

Mas na época de meus trisavós não era assim. Há 200 ou 300 anos não existiam professores e muito menos escolas nos interiores. Os pais só pensavam em trabalhar, e seus filhos também. De sorte que naquela época só havia pessoas analfabetas.

O Morro do Fogo foi o primeiro a ter o privilégio de ter um Cartório do Registro Civil em toda esta região. Lá se realizavam casamentos e registros de nascimentos e também escrituras públicas.

Certa vez meu trisavô foi convidado para ser testemunha ou padrinho de um casamento que seria realizado naquele cartório. O escrivão, depois de transcrever no Livro de Casamento todos os nomes dos noivos, pais e testemunhas (padrinhos), convidou os noivos para assinar no referido livro. O noivo não sabia assinar. Teve que usar o dedo para impressão da digital. Em seguida, o escrivão convidou a noiva, que também precisou usar o dedo. Depois foi a vez do  meu trisavô. A cena se repetiu.

O escrivão, já um tanto nervoso, resolveu mostrar um exemplo – que deixou aquela gente mais envergonhada do que já estava. Ele chamou um dos seus auxiliares e mandou que chamasse um bêbado que estava caído na calçada do casarão onde funcionava o cartório.

O bêbado mal conseguia ficar de pé, mas atendeu ao chamado. O escrivão explicou-lhe a situação e pediu que ele assinasse no lugar da testemunha do noivo, já que ela não sabia escrever o seu nome. O bêbado veio todo cambaleando, recebeu a pena e escreveu o seu nome. Uma caligrafia de certa forma admirável.

O escrivão fitou os olhos no meu trisavô e falou com uma voz irônica:

— Está vendo, Sr. Nardes?! O senhor não o conheceu você mesmo, enquanto este bêbado deu este exemplo, que o senhor nunca mais haverá de esquecê-lo.

De tanta vergonha, nem da festa ele participou. Ao chegar em casa, a primeira coisa que fez foi providenciar e contratar um professor para ensinar os seus filhos a ler e escrever. Condições financeiras ele tinha de sobra.

Esta história foi passada de geração em geração entre nossa família, que desde então nenhum dos descendentes da Família Nardes ficou sem aprender ao menos assinar o próprio nome.


*Armindo José Nardes é formado pelo Instituto Científico de Química do Rio de Janeiro e mora em Rio do Pires (BA).

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